quarta-feira, 19 de junho de 2013

Entrevista - Roberto Rodrigues de Menezes


1 – Para início de conversa: Quem é o Roberto Rodrigues de Menezes?
Ninguém é um produto acabado mas, na minha idade (63), algumas coisas já estão definidas. Meu resto de vida agora é de dedicação à família e às letras. Estudei para padre, fui oficial da PM trinta e quatro anos e só depois disso é que enveredei pelas entidades de letras, apesar de já fazer poesia e textos em prosa desde cedo. Eu os guardava e, assim que me transferi para a reserva, passei a remontá-los no sentido de fazer livros. Sou um ser não muito alegre, tímido, um tanto introspectivo. Não sou dado a muitas manifestações.

2 ─ Como aconteceu o seu contato com o mundo das palavras?
Começou com minha mãe, professora primária que, estando eu no início do quarto ano primário, me deu de presente a obra completa de José de Alencar, prosa, e Gonçalves Dias, poesia. Alencar devia compor uns vinte volumes de romances maravilhosos (Senhora, O tronco do ipê e Iracema penso que li mais de dez vezes), dos quais hoje ainda tenho oito. Gonçalves Dias num livro só. Este grande poeta maranhense tinha um estilo triste que combinava comigo. Li Os Timbiras, Sextilhas de Frei Antão, Primeiros, Segundos e Últimos Cantos. Ele também fez peças de teatro, mas eu só lia os poemas. Com dez anos eu já lera tudo (não havia tevê, vídeo-game nem computador) e gostava, apesar de ir ao dicionário de quando em vez para entender.
Continuou no Seminário Nossa Senhora de Lourdes em Azambuja, Brusque. Fui para lá com 11 anos cursar o que na época se chamava Ginásio. É uma pena que o pessoal da instrução pública mude esses nomes a toda hora, como se fosse o mais importante. O Ginásio que fiz em Azambuja foi o meu melhor curso “superior”. Tive mestres do quilate do Cônego Valentim Loch, padre Raulino Reitz (um cientista e literato da Academia Catarinense), padre Cláudio Cadorim, padre Ney Brasil Pereira (hoje comigo na Academia Desterrense). O Cônego, principalmente, meu professor de Latim e Língua Portuguesa, me dava muita motivação, dizendo que um dia meus versos seriam conhecidos. Aprendi com ele métrica e rima escorreitas. Tanto que fiz todo o ginásio fazendo versos assim. Apesar de ser no início dos anos sessenta e a tal Semana da Arte Moderna ter acontecido em 1922, nunca no seminário fiz um verso solto. O cônego dizia que verso solto “qualquer um faz”. Hoje não concordaria com ele, pois há versos soltos maravilhosos. Mas era uma época e um contexto.
Saí do seminário, mas já tinha contraído a “doença”. Fazia também autos, peças teatrais de caráter devocional. E continuei fazendo, mesmo ao entrar na Polícia Militar aos dezessete anos para fazer a vida, pois não era filhinho de papai e tinha que me sustentar. Deixei meus alfarrábios para tratar depois da aposentadoria. Em 2010 veio então a associação dos Cronistas, Poetas e Contistas Catarinenses e a Academia São José de Letras em 2011. Em três anos já lancei sete livros entre história da PMSC, poesia e conto.


3 – Apesar das mudanças ocorridas nos últimos tempos, o homem moderno ainda é um ser que se comporta cindido entre a razão e o coração. A sociedade privilegia o homem mediano, aquele que teme o novo e se enquadra às regras sociais, culturais e econômicas existentes. De tal modo que, a exemplo do personagem Fernão Capelo Gaivota, todo aquele que procura escapar às amarras sociais é logo rotulado de diferente e sofre a pressão de seus pares para que não questione aquilo que está estabelecido – o “status quo”. O escritor português José Saramago afirmou, certa vez, que a literatura não muda ninguém, ainda que as pessoas pensem que um livro as tenha transformado. No prefácio de seu livro “Rememórias”, o senhor escreve “Se esses textos conseguirem propiciar ao leitor alguns momentos de amenidade descompromissada (grifo nosso), lograram alcançar o seu objetivo. A partir dessas colocações, A Travessia da Palavra questiona: afinal, qual a função da arte literária?
Aqui faço um “mea culpa”. Essa questão de “amenidade descompromissada” é um exercício da tal falsa modéstia. Na verdade, é desejo do escritor que seus textos vão além da amenidade. Que se firmem, que deem margem a um estilo, à sua verve; pelo menos, se não para o público, perante os seus pares. E não sou muito afeito a grandes revoluções. O seminário e o quartel me deram um pensar conservador, um tanto tradicionalista. Não poderia eu, por exemplo, usar brincos ou tatuagens. Não me reconheceria. E isso vai para o estilo. Aprecio sem moderação o estilo clássico de poesia, com métrica e rimas bem definidas.

4 – Consequência da questão anterior: a leitura muda comportamento?
Pode mudar, mas no meu caso sem muita ênfase e excitação. Penso muito antes de qualquer mudança. Não sou adepto, por exemplo, da Semana da Arte moderna de 1922. Na questão da literatura, os autores de antes, a meu juízo, sempre foram melhores.

5 – As raízes açorianas modelaram a cultura do litoral catarinense. O senhor assim caracteriza essa região: “Gente simples, de falar brejeiro e hábitos bem característicos”. As novas gerações sofrem forte influência da internet e poucos são os que se interessam em aprender o ofício (renda, crivo etc.) de seus antepassados. Diante dessa conjuntura, o senhor acredita que a cultura açoriana vem, paulatinamente, perdendo força no cenário catarinense?
Infelizmente vem. O engenho de farinha do meu tio avô, movido a boi, é coisa do passado. Hoje as fábricas fazem farinha. Os manezinhos já estão com seus tablets e os novos celulares nas redes ditas sociais. Cultura açoriana vai acabar se restringindo aos grupos de terceira idade e às festas do Divino em determinadas comunidades. Mas sempre haverá alguém a lutar contra a globalização anglófona e de grandes governos, ou grandes hidras, defendendo os costumes locais.  

6 – Em seu livro “Rememórias” o senhor assim define o tempo: “O tempo passou, enferrujando as coisas e os sonhos”. Noutra passagem, o senhor afirma: “O tempo enferruja a vida e a vontade”. Ser um sujeito “acomodado” é uma condição inexorável do ser humano?
O tempo é realmente o senhor da razão. Torna sem importância o que era mortalmente importante em determinada época e contexto. Não sou acomodado, mas não muito moderninho. Valores morais e culturais a mim legados por meus avós, eu ainda conservo como válidos.

7 – O escritor argentino Jorge Luis Borges escreveu: “Todos os caminhos levam à morte. Perca-se”. Viver é correr riscos?
 Vida é um risco constante. Posso dizer de cadeira pois fui policial por mais de trinta anos, função que não traz qualquer reconhecimento de ninguém. Três anos no meio literário já me proporcionaram mais reconhecimento do que a minha vida anterior. Hoje não me dou muito bem com riscos. Sou extremamente racional e não gosta da palavra adrenalina. Ela me incomoda. O tal “perca-se” não me serve como modelo. Quem tem uma família bem montada e estruturada, quase um clã, um pequeno patrimônio e uma herança cultural, não é dado a riscos exacerbados.

8 – Em seu livro “Castelo Azul”, o senhor escreve: “Ser antigo não quer dizer ser antiquado, pois ainda dispomos de produções clássicas maravilhosas, que começam a rarear em vista do contexto, tempo, pressa, da ciência virtual que não se coaduna muito com madrigais e lírica métrica”. A cultura de massa “coisifica” o ser humano, não há dúvidas. Como escapar desse “fatalismo”?
Não há dúvida que o moderno na poesia veio do antigo. O antigo foi e ainda é a base. O poema clássico nunca vai sair de moda, embora poucos o entendam. Até quem os julga em concursos. Torna-se muito mais tranquilo escrever sem rimas e métricas, embora os versos soltos e livres possam ter também muita qualidade, com ritmo, harmonia e cadência. Nunca me inclinei muito por cultura de massa, também. Não sou nada socialista. Defendo a individualidade, o íntimo de cada ser; não o individualismo. A cultura se massa pode nos transformar em números ou meras estatísticas.

9 – Os meios de comunicação teimam em afirmar que o brasileiro lê pouco. No entanto, de um modo geral, os escritores que não estão na “vitrine” da grande mídia, sofrem para divulgar os seus livros. Como o senhor avalia o cenário editorial em Santa Catarina?
Para quem não tem a mídia atrás de si ou recursos pecuniários, é péssimo. Cultura no nosso estado, como no Brasil, não tem muita audiência. O brasileiro pouco ou quase nada lê, apesar dos programas bem comportados de leitura. Não tenho dúvida que o nosso próprio meio pouco nos lê. Os computadores nos tiram também o hábito de leitura. Lemos neles de forma superficial e rápida. 

10 – Que pergunta o senhor gostaria de responder e que não lhe foi feita?
É meu desejo que nossos acadêmicos das entidades culturais tenham compromisso com a produção literária, com a frequência aos eventos e com o pagamento em dia de suas pequenas anuidades. Vejo que alguns buscam somente o título e depois abandonam o fazer literário e suas obrigações estatutárias. E somos normalmente lenientes no cuidar desses casos, como é norma no nosso país. Há integrantes de academias que nem conheço, apesar de já participar de duas há dois anos. 

11 – A Travessia da Palavra é um blog livre. Portanto, expresse o que o senhor gostaria de dizer e nunca teve a oportunidade. Afinal, a liberdade de expressão não pode ser simples retórica.
Estou numa situação em minha vida em que digo o que penso, principalmente sem medo de patrulha ideológica. Obviamente não ofenderei ninguém, pois há que se respeitar o próximo. Mas esta liberdade para mim é vital, respiratória.

12 – Como as pessoas podem contatar o senhor? Site, blog, e-mail, fone...
Meu blog se denomina “Ao correr do teclado”. Nele exponho minhas idéias políticas, algo que procuro não fazer nos meus livros. É bem freqüentado. Meu e-mail é roberto.rodrigues.menezes@gmail.com e telefone (48) 3244-2952.
E agradeço a oportunidade, esperando que o entrevistador seja muito feliz e realizado na sua Academia São José de Letras.