1 – Michel
de Foucault, filósofo francês, afirmou: “Não me pergunte quem sou e não me diga
para permanecer o mesmo”. Quem é a Jane Maria de Souza Philippi?
Nem sempre quem a gente pensa que é, é o que os
outros pensam da gente. Estou começando a descobrir isso agora. Até porque
existe uma grande transformação com o passar dos anos e das experiências
vividas. Hoje vejo diferenças entre o que sou, o que penso que sou, o que quero
ser, e o que os outros pensam a meu respeito. Mas… vamos lá.
Sempre gostei de escrever, mesmo tendo uma
profissão técnica como farmácia-bioquímica e voltada para a saúde pública. Com
o passar dos anos descobri a beleza e a liberdade de pensar e escrever sem
estar cientificamente respaldada no que foi pesquisado antes. Isso é o que eu,
através de textos cientificos, fazia até então. A Jane de agora está querendo
se aposentar do trabalho técnico e alçar voo na literatura, com liberdade de
expressão.
2 – É possível separarmos a farmacêutica da
poetisa Jane?
Não, não é. Sempre vou escrever melhor e falar
melhor quando o assunto for sobre as minhas vivências profissionais. E também
cheguei até aqui por estar bem realizada profissionalmente. Sem ter lido
bastante, mesmo que muita coisa relacionada à minha profissão seria impossível
pensar em escrever. Mas o que mais gosto é escrever crônicas relacionando fatos
antigos, da minha infância ou juventude com fatos atuais. Foi com uma dessas
crônicas que ganhei o 1o lugar no Concurso Literário de São José, em
agosto de 2011, com a crônica “O gerente do cinema”.
3 – Os alquimistas buscavam encontrar na Pedra
Filosofal, fórmula secreta e mítica substância, o poder de transmudar metais
comuns em ouro. Grosso modo, podemos afirmar que o escritor é um alquimista das
palavras?
Os alquimistas são os precursores dos
farmacêuticos e dos químicos. Na farmácia, além da pedra filosofal falamos na panaceia,
uma única cura para todos os males, o que não existe, é claro, assim como algo
que transforma tudo em ouro. Até porque é uma visão muito avarenta das coisas,
pois precisamos é de água, alimentos, moradia, amor, antes do ouro. Mas me
encaixo melhor como descendente das bruxas, muitas delas queimadas nas
fogueiras da inquisição na idade média porque detinham o conhecimento sobre as
plantas medicinais, sobre dor e parto.
Mas se formos comparar escritores com
alquimistas, podemos dizer sim que existe a busca pela escrita perfeita, pelo
verso perfeito, pelo livro mágico. O escritor garimpa as palavras para encontrar
a melhor maneira de descrever sobre determinado assunto e também para se
comunicar. Ele busca o melhor de si. Dá o seu suor.
4 – Os alquimistas, através da observação da
natureza e de seus componentes, postularam que todas as coisas se encontram
interconectadas no Cosmos. A partir dessa visão holística de mundo, podemos
afirmar que a literatura catarinense, particularmente a de São José, está
inter-relacionada com a literatura brasileira e universal?
Escrevemos o que somos e o que aprendemos. A
literatura josefense é particularmente açoriana. A nossa linguagem é a mesma
dos Açores de anos atrás. Quando viajo, as pessoas me perguntam: você é
portuguesa? Então, sempre tenho que explicar de onde venho e porque falo assim.
Existe uma conecção forte entre São José e Açores, com nuances alemães, é
claro. Afinal, São Pedro de Alcantara foi a primeira colonia alemã em Santa
Catarina. Se bem que eles chegaram bem mais tarde que os portugueses. Mas,
sempre o tempo influenciando na vida das pessoas... Sou de origem portuguesa,
de um avô, e de origem alemã, dos outros três avós. E curiosamente, hoje tenho
cidadania italiana, pelo lado do meu marido (minha sogra tinha origem
italiana). Então, em São José, todos estão interligados com o mundo,
principalmente com os europeus. Dos nativos, os índios, infelizmente não temos
mais uma grande ligação e com os negros, essa ligação é menor. Mas essa mistura
de raças e povos também influiu na maneira de agir, de pensar e de escrever. Já
éramos globalizados há bastante tempo. Por outro lado também, não há como
escrever sem ler o que já está colocado no mundo.
5 – No prefácio do seu livro, “A Saúde dos
Estudantes: uma abordagem em saúde pública”, você escreve que a “matemática é
importante para a vida. A redação e a expressão correta das palavras também”.
Em seguida, indaga: “E o corpo?”. A mente e o corpo não são dissociáveis. A
partir dessas observações, qual a função da poesia?
Esse livro foi fruto da minha tese de
doutorado. Quis dizer com isso que na universidade não pode-se somente se
preocupar com as disciplinas oficiais, mas também com as preocupações dos
estudantes e suas necessidades com relação à saúde, ao lazer, ao esporte. Tenho
um grupo chamado GPESE – Grupo de Pesquisa e Extensão em Saúde do Estudante,
que hoje está na rede social Facebook, com dicas e assuntos de interesse para os
estudantes, que não são relacionadas às disciplinas deles, mas necessidades
como onde procurar ajuda quando estiver doente, como prevenir a gravidez, como
prevenir doenças sexualmente transmissíveis, os cuidados com os medicamentos
que não necessitam de receita médica e outros.
Considero que a escrita faz bem para o corpo e
para a alma de quem escreve e de quem lê. Cada um de nós tem as suas aptidões e
seus gostos. Para quem gosta de escrever, escrever faz bem. Assim como para
quem gosta de ler, ou de compor, essas coisas fazem bem, para o corpo e para a
alma – anema e core (alma e coração,
como dizem os italianos).
6 – Assim como a “microscopia é uma técnica rápida e de baixo custo para a
caracterização de plantas”, a palavra, segundo o dicionário Aurélio, é uma
“unidade mínima com som e significado que pode, sozinha, constituir enunciado”.
A literatura ajuda-nos a compreender o homem?
A microscopia é fantástica. Passei vinte anos
vendo o mundo microscópico, fazendo análises de alimentos, comparando os elementos
próprios de cada produto, fraudes, sujidades. Por vinte anos, meu mundo
profissional foi microscópico. Quando mudei e fui para a universidade como
professora de saúde pública, meu mundo profissional mudou completamente. Passou
a ser macroscópico. É um mundo semelhante ao microscópico, mas com outra
dimensão. Acredito também que o cosmos, com as devidas proporções, também seja
um mundo semelhante a esses dois. Como o escritor escreve o que vivencia, o que
sofre e o que gosta, pode-se afirmar que a literatura é o espelho do escritor. A
literatura nos ensina a viajar, sonhar, nos ensina a história. Se bem que
quanto à história contada tenho minhas dúvidas, pois acredito que homens e
mulheres fizeram história e não somente homens, como contam a grande maioria
dos livros. Se bem que Santa Catarina neste aspecto é diferenciada, pois temos
mulheres que a história não pode esconder: Catarina, Anita, Rita Maria,
Antonieta de Barros. E temos as de hoje também, fazendo a nossa história
moderna.
7 – Sartre disse, certa vez, que há escritores
que não são lidos e não se importam com isso. Tal afirmação parece confirmar a
ideia de que escrever é um ato solitário. Você concorda com isso?
Concordo. Escrever é um ato solitário. Criar,
em qualquer profissão é um trabalho árduo e só, que exige uma grande bagagem de
conhecimento. Acredito que quando o escritor termina um conto, uma crônica, uma
poesia, um romance, ele fica satisfeito com sua obra acabada. Não importa quem
leu, ou quantas pessoas leram. Isso é a consequência. Um escritor, no Brasil,
lido por muita gente é um feito muito raro. Mais raro ainda é viver de seus
escritos.
8 – Ao cantar São José da Terra Firme você está
fazendo poesia regional?
Eu me orgulho de ser daqui e ter nascido aqui;
em casa e de parteira (uma aventura e tanto, algo inadmissível hoje). Destaco-me
de outras pessoas por minha fala açoriana. Quando digo que sou de São José da
Terra Firme, normalmente as pessoas me olham. Gosto de ter nascido aqui e de
viver aqui, de frente para o mar. Não saberia viver longe dele. Acho que essa
fascinação pelo mar vem desde os Açores… Muito antes dos portugueses
travessarem o Atlântico. Moro de frente para a Ilha de Santa Catarina. É
magnífico. Uma vez disse para meus alunos, falando sobre mobilidade urbana, que
chegaria à UFSC bem feliz e sem estresse nenhum se houvesse um metrô de
superfície ou trem que levasse a gente para a Ilha; assim poderíamos admirar a
linda paisagem que temos e não valorizamos. Os alunos imediatamente resolveram
começar um abaixo-assinado para solicitar o tal metrô de superfície, pensado
que a professora, sem estresse nenhum, não iria se lembrar de realizar provas e
cobrar presença nas aulas. Também gosto muito de falar do vento sul e do mar
daqui. Sinto falta quando ficamos muito tempo sem o vento sul.
9 – Os meios de comunicação teimam em afirmar
que o brasileiro lê pouco. No entanto, de um modo geral, os escritores que não
estão na “vitrine” da grande mídia, sofrem para divulgar os seus livros. Como você
avalia o cenário editorial em Santa Catarina?
Os meios de comunicação deveriam falar mais de
livros e investir em publicações. Em Santa Catarina é bem difícil publicar um
livro. O patrocínio só existe para publicações de interesse político. É preciso
que as escolas recebam livros catarinenses e incentivem seus alunos a lerem
livros catarinenses. Temos ótimos autores, mas seus livros não são acessiveis
aos estudantes porque com verbas curtas fazem poucas tiragens. Muitos autores
ainda não publicam seus livros porque não conseguem ajuda. Assim como
acontecesse com o cinema, acontece também com os livros. Temos muita propaganda
e uma enxurrada de livros e filmes americanos, com pouco espaço para os
brasileiros e de outros países. E menos espaço ainda para os livros catarinenses.
Nas livrarias só vemos livros americanos e livros de “autoajuda”.
10 – Que pergunta você gostaria de responder e
que não lhe foi feita?
Gostaria de colocar que pertenço a Academia São
José de Letras, ocupando a cadeira 2 – cujo patrono é Custódio Campos, que sou Presidenta
do CONSEG 01 – Conselho Comunitário de Segurança do Setor 01 de São José, que
abrange a Praia Comprida, o Centro Histórico e a Ponta de Baixo, que sou conselheira
do Conselho Municipal de Saúde, representando a Associação do Centro Histórico
de São José da Terra Firme, e que sou integrante da Casa da Mulher Catarina,
entidade que luta pelos direitos da mulher. Sou professora de Saúde Pública da
Universidade Federal de Santa Catarina. Minhas pretenções são, ao me aposentar,
para 2014, começar a escrever meus contos e romances.
11 – A Travessia
da Palavra é um blog livre. Portanto, expresse o que você gostaria de dizer
e nunca teve a oportunidade. Afinal, a liberdade de expressão não pode ser
simples retórica.
Nesse item sobre liberdade de expressão, acho
importante escrever sobre a censura da palavra que acontece diariamente nos
nossos meios de comunicação e nas redes sociais. Também sobre o poder das
palavras que as pessoas utilizam na mídia para desacreditar pessoas e promover
fatos. A ética é importante e não se pode escrever injustiças e difamações
inconsequentes. Como existe hoje muita informação, as pessoas escrevem demais
ou escrevem com intensões de derrubar grupos ou pessoas. É preciso saber
selecionar uma boa leitura. O tamanho do poder da palavra deve ser o mesmo da
informação senão corre-se o risco de não se ter crédito.
Vejo muito isso com relação aos direitos da
mulher, uma luta minha, de feminista. A maioria das pessoas considera feminista
uma mulher desocupada, mal amada, infeliz, que tem algum complexo, e por aí
afora. Quem passa essa ideia para as pessoas? A imprensa. Quem todos os dias
coloca nos noticiários que o SUS – Sistema Único de Saúde não funciona e está
falido? A imprensa.
Ora, sou feminista, luto pelos direitos da
mulher e principalmente pela saúde da mulher. O que sabe a imprensa sobre isso?
Fica muda.
Todos os dias, nas minhas aulas na UFSC, tenho
que reinventar o SUS, como um dos melhores sistemas de saúde do mundo. E maior.
Algumas administrações mal sucedidas e corrupções localizadas devem ser punidas
e não indicativas de que o sistema não presta.
Não posso me furtar também de falar sobre o
momento que estamos passando no Brasil e de colocar minha indignação diante de
alguns fatos. Todos saíram às ruas reivindicando tudo que se podia porque
estávamos calados há muito tempo. A Presidenta Dilma tentou responder, e claro,
queremos ouvir mais. Mas, e o poder judiciário? O que nos respondeu? E o
Legislativo? Eles pensam que não é com eles?
12 – Como as pessoas podem contatar você? Site,
blog, e-mail, fone...
Prezado Confrade Meira, agradeço o espaço que
você está colocando para as minhas manifestações.
Jane
Maria de Souza Philippi
Rua
Gaspar Neves, 255 – São José, SC – 88.103-2503247-1395 / 9113-0550
janemsp@gmail.com