sexta-feira, 12 de julho de 2013

Entrevista: Jane Maria de Souza Philippi

1 – Michel de Foucault, filósofo francês, afirmou: “Não me pergunte quem sou e não me diga para permanecer o mesmo”. Quem é a Jane Maria de Souza Philippi?
Nem sempre quem a gente pensa que é, é o que os outros pensam da gente. Estou começando a descobrir isso agora. Até porque existe uma grande transformação com o passar dos anos e das experiências vividas. Hoje vejo diferenças entre o que sou, o que penso que sou, o que quero ser, e o que os outros pensam a meu respeito. Mas… vamos lá.
Sempre gostei de escrever, mesmo tendo uma profissão técnica como farmácia-bioquímica e voltada para a saúde pública. Com o passar dos anos descobri a beleza e a liberdade de pensar e escrever sem estar cientificamente respaldada no que foi pesquisado antes. Isso é o que eu, através de textos cientificos, fazia até então. A Jane de agora está querendo se aposentar do trabalho técnico e alçar voo na literatura, com liberdade de expressão.
 
2 – É possível separarmos a farmacêutica da poetisa Jane?
Não, não é. Sempre vou escrever melhor e falar melhor quando o assunto for sobre as minhas vivências profissionais. E também cheguei até aqui por estar bem realizada profissionalmente. Sem ter lido bastante, mesmo que muita coisa relacionada à minha profissão seria impossível pensar em escrever. Mas o que mais gosto é escrever crônicas relacionando fatos antigos, da minha infância ou juventude com fatos atuais. Foi com uma dessas crônicas que ganhei o 1o lugar no Concurso Literário de São José, em agosto de 2011, com a crônica “O gerente do cinema”.
 
3 – Os alquimistas buscavam encontrar na Pedra Filosofal, fórmula secreta e mítica substância, o poder de transmudar metais comuns em ouro. Grosso modo, podemos afirmar que o escritor é um alquimista das palavras?
Os alquimistas são os precursores dos farmacêuticos e dos químicos. Na farmácia, além da pedra filosofal falamos na panaceia, uma única cura para todos os males, o que não existe, é claro, assim como algo que transforma tudo em ouro. Até porque é uma visão muito avarenta das coisas, pois precisamos é de água, alimentos, moradia, amor, antes do ouro. Mas me encaixo melhor como descendente das bruxas, muitas delas queimadas nas fogueiras da inquisição na idade média porque detinham o conhecimento sobre as plantas medicinais, sobre dor e parto.
Mas se formos comparar escritores com alquimistas, podemos dizer sim que existe a busca pela escrita perfeita, pelo verso perfeito, pelo livro mágico. O escritor garimpa as palavras para encontrar a melhor maneira de descrever sobre determinado assunto e também para se comunicar. Ele busca o melhor de si. Dá o seu suor.
 
4 – Os alquimistas, através da observação da natureza e de seus componentes, postularam que todas as coisas se encontram interconectadas no Cosmos. A partir dessa visão holística de mundo, podemos afirmar que a literatura catarinense, particularmente a de São José, está inter-relacionada com a literatura brasileira e universal?
Escrevemos o que somos e o que aprendemos. A literatura josefense é particularmente açoriana. A nossa linguagem é a mesma dos Açores de anos atrás. Quando viajo, as pessoas me perguntam: você é portuguesa? Então, sempre tenho que explicar de onde venho e porque falo assim. Existe uma conecção forte entre São José e Açores, com nuances alemães, é claro. Afinal, São Pedro de Alcantara foi a primeira colonia alemã em Santa Catarina. Se bem que eles chegaram bem mais tarde que os portugueses. Mas, sempre o tempo influenciando na vida das pessoas... Sou de origem portuguesa, de um avô, e de origem alemã, dos outros três avós. E curiosamente, hoje tenho cidadania italiana, pelo lado do meu marido (minha sogra tinha origem italiana). Então, em São José, todos estão interligados com o mundo, principalmente com os europeus. Dos nativos, os índios, infelizmente não temos mais uma grande ligação e com os negros, essa ligação é menor. Mas essa mistura de raças e povos também influiu na maneira de agir, de pensar e de escrever. Já éramos globalizados há bastante tempo. Por outro lado também, não há como escrever sem ler o que já está colocado no mundo.
 
5 – No prefácio do seu livro, “A Saúde dos Estudantes: uma abordagem em saúde pública”, você escreve que a “matemática é importante para a vida. A redação e a expressão correta das palavras também”. Em seguida, indaga: “E o corpo?”. A mente e o corpo não são dissociáveis. A partir dessas observações, qual a função da poesia?
Esse livro foi fruto da minha tese de doutorado. Quis dizer com isso que na universidade não pode-se somente se preocupar com as disciplinas oficiais, mas também com as preocupações dos estudantes e suas necessidades com relação à saúde, ao lazer, ao esporte. Tenho um grupo chamado GPESE – Grupo de Pesquisa e Extensão em Saúde do Estudante, que hoje está na rede social Facebook, com dicas e assuntos de interesse para os estudantes, que não são relacionadas às disciplinas deles, mas necessidades como onde procurar ajuda quando estiver doente, como prevenir a gravidez, como prevenir doenças sexualmente transmissíveis, os cuidados com os medicamentos que não necessitam de receita médica e outros.
Considero que a escrita faz bem para o corpo e para a alma de quem escreve e de quem lê. Cada um de nós tem as suas aptidões e seus gostos. Para quem gosta de escrever, escrever faz bem. Assim como para quem gosta de ler, ou de compor, essas coisas fazem bem, para o corpo e para a alma – anema e core (alma e coração, como dizem os italianos).
 
6 – Assim como a “microscopia é uma técnica rápida e de baixo custo para a caracterização de plantas”, a palavra, segundo o dicionário Aurélio, é uma “unidade mínima com som e significado que pode, sozinha, constituir enunciado”. A literatura ajuda-nos a compreender o homem?
A microscopia é fantástica. Passei vinte anos vendo o mundo microscópico, fazendo análises de alimentos, comparando os elementos próprios de cada produto, fraudes, sujidades. Por vinte anos, meu mundo profissional foi microscópico. Quando mudei e fui para a universidade como professora de saúde pública, meu mundo profissional mudou completamente. Passou a ser macroscópico. É um mundo semelhante ao microscópico, mas com outra dimensão. Acredito também que o cosmos, com as devidas proporções, também seja um mundo semelhante a esses dois. Como o escritor escreve o que vivencia, o que sofre e o que gosta, pode-se afirmar que a literatura é o espelho do escritor. A literatura nos ensina a viajar, sonhar, nos ensina a história. Se bem que quanto à história contada tenho minhas dúvidas, pois acredito que homens e mulheres fizeram história e não somente homens, como contam a grande maioria dos livros. Se bem que Santa Catarina neste aspecto é diferenciada, pois temos mulheres que a história não pode esconder: Catarina, Anita, Rita Maria, Antonieta de Barros. E temos as de hoje também, fazendo a nossa história moderna.
 
7 – Sartre disse, certa vez, que há escritores que não são lidos e não se importam com isso. Tal afirmação parece confirmar a ideia de que escrever é um ato solitário. Você concorda com isso?
Concordo. Escrever é um ato solitário. Criar, em qualquer profissão é um trabalho árduo e só, que exige uma grande bagagem de conhecimento. Acredito que quando o escritor termina um conto, uma crônica, uma poesia, um romance, ele fica satisfeito com sua obra acabada. Não importa quem leu, ou quantas pessoas leram. Isso é a consequência. Um escritor, no Brasil, lido por muita gente é um feito muito raro. Mais raro ainda é viver de seus escritos.
 
8 – Ao cantar São José da Terra Firme você está fazendo poesia regional?
Eu me orgulho de ser daqui e ter nascido aqui; em casa e de parteira (uma aventura e tanto, algo inadmissível hoje). Destaco-me de outras pessoas por minha fala açoriana. Quando digo que sou de São José da Terra Firme, normalmente as pessoas me olham. Gosto de ter nascido aqui e de viver aqui, de frente para o mar. Não saberia viver longe dele. Acho que essa fascinação pelo mar vem desde os Açores… Muito antes dos portugueses travessarem o Atlântico. Moro de frente para a Ilha de Santa Catarina. É magnífico. Uma vez disse para meus alunos, falando sobre mobilidade urbana, que chegaria à UFSC bem feliz e sem estresse nenhum se houvesse um metrô de superfície ou trem que levasse a gente para a Ilha; assim poderíamos admirar a linda paisagem que temos e não valorizamos. Os alunos imediatamente resolveram começar um abaixo-assinado para solicitar o tal metrô de superfície, pensado que a professora, sem estresse nenhum, não iria se lembrar de realizar provas e cobrar presença nas aulas. Também gosto muito de falar do vento sul e do mar daqui. Sinto falta quando ficamos muito tempo sem o vento sul.
 
9 – Os meios de comunicação teimam em afirmar que o brasileiro lê pouco. No entanto, de um modo geral, os escritores que não estão na “vitrine” da grande mídia, sofrem para divulgar os seus livros. Como você avalia o cenário editorial em Santa Catarina?
Os meios de comunicação deveriam falar mais de livros e investir em publicações. Em Santa Catarina é bem difícil publicar um livro. O patrocínio só existe para publicações de interesse político. É preciso que as escolas recebam livros catarinenses e incentivem seus alunos a lerem livros catarinenses. Temos ótimos autores, mas seus livros não são acessiveis aos estudantes porque com verbas curtas fazem poucas tiragens. Muitos autores ainda não publicam seus livros porque não conseguem ajuda. Assim como acontecesse com o cinema, acontece também com os livros. Temos muita propaganda e uma enxurrada de livros e filmes americanos, com pouco espaço para os brasileiros e de outros países. E menos espaço ainda para os livros catarinenses. Nas livrarias só vemos livros americanos e livros de “autoajuda”.
 
10 – Que pergunta você gostaria de responder e que não lhe foi feita?
Gostaria de colocar que pertenço a Academia São José de Letras, ocupando a cadeira 2 – cujo patrono é Custódio Campos, que sou Presidenta do CONSEG 01 – Conselho Comunitário de Segurança do Setor 01 de São José, que abrange a Praia Comprida, o Centro Histórico e a Ponta de Baixo, que sou conselheira do Conselho Municipal de Saúde, representando a Associação do Centro Histórico de São José da Terra Firme, e que sou integrante da Casa da Mulher Catarina, entidade que luta pelos direitos da mulher. Sou professora de Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina. Minhas pretenções são, ao me aposentar, para 2014, começar a escrever meus contos e romances.
 
11 – A Travessia da Palavra é um blog livre. Portanto, expresse o que você gostaria de dizer e nunca teve a oportunidade. Afinal, a liberdade de expressão não pode ser simples retórica.
Nesse item sobre liberdade de expressão, acho importante escrever sobre a censura da palavra que acontece diariamente nos nossos meios de comunicação e nas redes sociais. Também sobre o poder das palavras que as pessoas utilizam na mídia para desacreditar pessoas e promover fatos. A ética é importante e não se pode escrever injustiças e difamações inconsequentes. Como existe hoje muita informação, as pessoas escrevem demais ou escrevem com intensões de derrubar grupos ou pessoas. É preciso saber selecionar uma boa leitura. O tamanho do poder da palavra deve ser o mesmo da informação senão corre-se o risco de não se ter crédito.
Vejo muito isso com relação aos direitos da mulher, uma luta minha, de feminista. A maioria das pessoas considera feminista uma mulher desocupada, mal amada, infeliz, que tem algum complexo, e por aí afora. Quem passa essa ideia para as pessoas? A imprensa. Quem todos os dias coloca nos noticiários que o SUS – Sistema Único de Saúde não funciona e está falido? A imprensa.
Ora, sou feminista, luto pelos direitos da mulher e principalmente pela saúde da mulher. O que sabe a imprensa sobre isso? Fica muda.
Todos os dias, nas minhas aulas na UFSC, tenho que reinventar o SUS, como um dos melhores sistemas de saúde do mundo. E maior. Algumas administrações mal sucedidas e corrupções localizadas devem ser punidas e não indicativas de que o sistema não presta.
Não posso me furtar também de falar sobre o momento que estamos passando no Brasil e de colocar minha indignação diante de alguns fatos. Todos saíram às ruas reivindicando tudo que se podia porque estávamos calados há muito tempo. A Presidenta Dilma tentou responder, e claro, queremos ouvir mais. Mas, e o poder judiciário? O que nos respondeu? E o Legislativo? Eles pensam que não é com eles?
 
12 – Como as pessoas podem contatar você? Site, blog, e-mail, fone...
Prezado Confrade Meira, agradeço o espaço que você está colocando para as minhas manifestações.
Jane Maria de Souza Philippi
Rua Gaspar Neves, 255 – São José, SC – 88.103-250
3247-1395 / 9113-0550
janemsp@gmail.com

 

 

 

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Entrevista - Roberto Rodrigues de Menezes


1 – Para início de conversa: Quem é o Roberto Rodrigues de Menezes?
Ninguém é um produto acabado mas, na minha idade (63), algumas coisas já estão definidas. Meu resto de vida agora é de dedicação à família e às letras. Estudei para padre, fui oficial da PM trinta e quatro anos e só depois disso é que enveredei pelas entidades de letras, apesar de já fazer poesia e textos em prosa desde cedo. Eu os guardava e, assim que me transferi para a reserva, passei a remontá-los no sentido de fazer livros. Sou um ser não muito alegre, tímido, um tanto introspectivo. Não sou dado a muitas manifestações.

2 ─ Como aconteceu o seu contato com o mundo das palavras?
Começou com minha mãe, professora primária que, estando eu no início do quarto ano primário, me deu de presente a obra completa de José de Alencar, prosa, e Gonçalves Dias, poesia. Alencar devia compor uns vinte volumes de romances maravilhosos (Senhora, O tronco do ipê e Iracema penso que li mais de dez vezes), dos quais hoje ainda tenho oito. Gonçalves Dias num livro só. Este grande poeta maranhense tinha um estilo triste que combinava comigo. Li Os Timbiras, Sextilhas de Frei Antão, Primeiros, Segundos e Últimos Cantos. Ele também fez peças de teatro, mas eu só lia os poemas. Com dez anos eu já lera tudo (não havia tevê, vídeo-game nem computador) e gostava, apesar de ir ao dicionário de quando em vez para entender.
Continuou no Seminário Nossa Senhora de Lourdes em Azambuja, Brusque. Fui para lá com 11 anos cursar o que na época se chamava Ginásio. É uma pena que o pessoal da instrução pública mude esses nomes a toda hora, como se fosse o mais importante. O Ginásio que fiz em Azambuja foi o meu melhor curso “superior”. Tive mestres do quilate do Cônego Valentim Loch, padre Raulino Reitz (um cientista e literato da Academia Catarinense), padre Cláudio Cadorim, padre Ney Brasil Pereira (hoje comigo na Academia Desterrense). O Cônego, principalmente, meu professor de Latim e Língua Portuguesa, me dava muita motivação, dizendo que um dia meus versos seriam conhecidos. Aprendi com ele métrica e rima escorreitas. Tanto que fiz todo o ginásio fazendo versos assim. Apesar de ser no início dos anos sessenta e a tal Semana da Arte Moderna ter acontecido em 1922, nunca no seminário fiz um verso solto. O cônego dizia que verso solto “qualquer um faz”. Hoje não concordaria com ele, pois há versos soltos maravilhosos. Mas era uma época e um contexto.
Saí do seminário, mas já tinha contraído a “doença”. Fazia também autos, peças teatrais de caráter devocional. E continuei fazendo, mesmo ao entrar na Polícia Militar aos dezessete anos para fazer a vida, pois não era filhinho de papai e tinha que me sustentar. Deixei meus alfarrábios para tratar depois da aposentadoria. Em 2010 veio então a associação dos Cronistas, Poetas e Contistas Catarinenses e a Academia São José de Letras em 2011. Em três anos já lancei sete livros entre história da PMSC, poesia e conto.


3 – Apesar das mudanças ocorridas nos últimos tempos, o homem moderno ainda é um ser que se comporta cindido entre a razão e o coração. A sociedade privilegia o homem mediano, aquele que teme o novo e se enquadra às regras sociais, culturais e econômicas existentes. De tal modo que, a exemplo do personagem Fernão Capelo Gaivota, todo aquele que procura escapar às amarras sociais é logo rotulado de diferente e sofre a pressão de seus pares para que não questione aquilo que está estabelecido – o “status quo”. O escritor português José Saramago afirmou, certa vez, que a literatura não muda ninguém, ainda que as pessoas pensem que um livro as tenha transformado. No prefácio de seu livro “Rememórias”, o senhor escreve “Se esses textos conseguirem propiciar ao leitor alguns momentos de amenidade descompromissada (grifo nosso), lograram alcançar o seu objetivo. A partir dessas colocações, A Travessia da Palavra questiona: afinal, qual a função da arte literária?
Aqui faço um “mea culpa”. Essa questão de “amenidade descompromissada” é um exercício da tal falsa modéstia. Na verdade, é desejo do escritor que seus textos vão além da amenidade. Que se firmem, que deem margem a um estilo, à sua verve; pelo menos, se não para o público, perante os seus pares. E não sou muito afeito a grandes revoluções. O seminário e o quartel me deram um pensar conservador, um tanto tradicionalista. Não poderia eu, por exemplo, usar brincos ou tatuagens. Não me reconheceria. E isso vai para o estilo. Aprecio sem moderação o estilo clássico de poesia, com métrica e rimas bem definidas.

4 – Consequência da questão anterior: a leitura muda comportamento?
Pode mudar, mas no meu caso sem muita ênfase e excitação. Penso muito antes de qualquer mudança. Não sou adepto, por exemplo, da Semana da Arte moderna de 1922. Na questão da literatura, os autores de antes, a meu juízo, sempre foram melhores.

5 – As raízes açorianas modelaram a cultura do litoral catarinense. O senhor assim caracteriza essa região: “Gente simples, de falar brejeiro e hábitos bem característicos”. As novas gerações sofrem forte influência da internet e poucos são os que se interessam em aprender o ofício (renda, crivo etc.) de seus antepassados. Diante dessa conjuntura, o senhor acredita que a cultura açoriana vem, paulatinamente, perdendo força no cenário catarinense?
Infelizmente vem. O engenho de farinha do meu tio avô, movido a boi, é coisa do passado. Hoje as fábricas fazem farinha. Os manezinhos já estão com seus tablets e os novos celulares nas redes ditas sociais. Cultura açoriana vai acabar se restringindo aos grupos de terceira idade e às festas do Divino em determinadas comunidades. Mas sempre haverá alguém a lutar contra a globalização anglófona e de grandes governos, ou grandes hidras, defendendo os costumes locais.  

6 – Em seu livro “Rememórias” o senhor assim define o tempo: “O tempo passou, enferrujando as coisas e os sonhos”. Noutra passagem, o senhor afirma: “O tempo enferruja a vida e a vontade”. Ser um sujeito “acomodado” é uma condição inexorável do ser humano?
O tempo é realmente o senhor da razão. Torna sem importância o que era mortalmente importante em determinada época e contexto. Não sou acomodado, mas não muito moderninho. Valores morais e culturais a mim legados por meus avós, eu ainda conservo como válidos.

7 – O escritor argentino Jorge Luis Borges escreveu: “Todos os caminhos levam à morte. Perca-se”. Viver é correr riscos?
 Vida é um risco constante. Posso dizer de cadeira pois fui policial por mais de trinta anos, função que não traz qualquer reconhecimento de ninguém. Três anos no meio literário já me proporcionaram mais reconhecimento do que a minha vida anterior. Hoje não me dou muito bem com riscos. Sou extremamente racional e não gosta da palavra adrenalina. Ela me incomoda. O tal “perca-se” não me serve como modelo. Quem tem uma família bem montada e estruturada, quase um clã, um pequeno patrimônio e uma herança cultural, não é dado a riscos exacerbados.

8 – Em seu livro “Castelo Azul”, o senhor escreve: “Ser antigo não quer dizer ser antiquado, pois ainda dispomos de produções clássicas maravilhosas, que começam a rarear em vista do contexto, tempo, pressa, da ciência virtual que não se coaduna muito com madrigais e lírica métrica”. A cultura de massa “coisifica” o ser humano, não há dúvidas. Como escapar desse “fatalismo”?
Não há dúvida que o moderno na poesia veio do antigo. O antigo foi e ainda é a base. O poema clássico nunca vai sair de moda, embora poucos o entendam. Até quem os julga em concursos. Torna-se muito mais tranquilo escrever sem rimas e métricas, embora os versos soltos e livres possam ter também muita qualidade, com ritmo, harmonia e cadência. Nunca me inclinei muito por cultura de massa, também. Não sou nada socialista. Defendo a individualidade, o íntimo de cada ser; não o individualismo. A cultura se massa pode nos transformar em números ou meras estatísticas.

9 – Os meios de comunicação teimam em afirmar que o brasileiro lê pouco. No entanto, de um modo geral, os escritores que não estão na “vitrine” da grande mídia, sofrem para divulgar os seus livros. Como o senhor avalia o cenário editorial em Santa Catarina?
Para quem não tem a mídia atrás de si ou recursos pecuniários, é péssimo. Cultura no nosso estado, como no Brasil, não tem muita audiência. O brasileiro pouco ou quase nada lê, apesar dos programas bem comportados de leitura. Não tenho dúvida que o nosso próprio meio pouco nos lê. Os computadores nos tiram também o hábito de leitura. Lemos neles de forma superficial e rápida. 

10 – Que pergunta o senhor gostaria de responder e que não lhe foi feita?
É meu desejo que nossos acadêmicos das entidades culturais tenham compromisso com a produção literária, com a frequência aos eventos e com o pagamento em dia de suas pequenas anuidades. Vejo que alguns buscam somente o título e depois abandonam o fazer literário e suas obrigações estatutárias. E somos normalmente lenientes no cuidar desses casos, como é norma no nosso país. Há integrantes de academias que nem conheço, apesar de já participar de duas há dois anos. 

11 – A Travessia da Palavra é um blog livre. Portanto, expresse o que o senhor gostaria de dizer e nunca teve a oportunidade. Afinal, a liberdade de expressão não pode ser simples retórica.
Estou numa situação em minha vida em que digo o que penso, principalmente sem medo de patrulha ideológica. Obviamente não ofenderei ninguém, pois há que se respeitar o próximo. Mas esta liberdade para mim é vital, respiratória.

12 – Como as pessoas podem contatar o senhor? Site, blog, e-mail, fone...
Meu blog se denomina “Ao correr do teclado”. Nele exponho minhas idéias políticas, algo que procuro não fazer nos meus livros. É bem freqüentado. Meu e-mail é roberto.rodrigues.menezes@gmail.com e telefone (48) 3244-2952.
E agradeço a oportunidade, esperando que o entrevistador seja muito feliz e realizado na sua Academia São José de Letras.